segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

4/11 – Saint Jean Pied de Port a Roncesvalles

            Acordei e os peregrinos já estavam se arrumando freneticamente. Tentei fazer o mesmo, mas visivelmente eu era uma das mais atrasadas. Tomei café com uma ansiedade monstra. Fiquei pronta, mas o céu ainda estava escuro. Quase todo mundo já tinha saído, mas eu quis esperar clarear um pouco o dia. Isso ocorreu por volta de 7:30. Lá fui eu, dar o primeiro passo dos 800 km!

Fantasminha Camarada na porta do albergue.

Saint Jean é realmente uma gracinha, pena não ter tempo para desfrutar da cidade. Enrolei-me um pouco pra achar o início do Caminho, apesar de ter solicitado informação, mas achei. Devia ser o nervoso. Quando vi a placa “Chemin de St Jacques”, pensei: ufaaa!








Mais à frente, quando vi a placa de “aberto” se referindo à Rota de Napoleão, não acreditei. Pro lado, estava o caminho por Valcarlos. Parei e pensei: vou ou não pelos Pirineus? O tempo estava lindo... Pensei: vai, garota! E graças a Deus, fui.

Bora!
Olha, a paisagem é encantadora, até pra quem está acostumado a ver lindas paisagens em alta montanha. E o céu estava lindo. Observar o sol nascendo, com aquela paisagem, aquele silêncio, foi uma delicinha. É muita emoção! Você pensa: estou no Caminho de Santiago!!!

Sol começando a aparecer.





Já sabia que por ali avistaria algumas ovelhas, e isso aconteceu bem no início. Elas estavam descansando em um terreno. Porém, em um dado momento, estava olhando uma mesa de orientação e escuto um barulho. Quando olho pra cima, vejo várias vacas (ou bois, sei lá) descendo a ladeira. Morri de medo! Garota de cidade grande não está acostumada com isso não! Sei lá se davam a loka e vinham na minha direção! Fiquei ali atrás da mesa de orientação, meio escondida, observando (e fotografando, claro). Elas me ignoraram, hehe. Em vários outros dias do caminho eu ia me acostumar mais com a presença delas, principalmente na Galícia! Mais à frente, havia outro grupo grande de ovelhas, com seus bumbuns pintados, descendo bem rápido. Mas estavam acompanhadas de um animal da minha espécie, haha, então fiquei mais tranquila. De qualquer forma, me coloquei atrás de uma pequena pedra. E o cumprimentei, como se estivesse super acostumada com aquilo (SQN).


Ovelhas

Mesa de orientação

Socoooorro!

Ufa, elas não vieram me atacar, kkkkk!

Pastor e ovelhas


O céu estava de brigadeiro, mas o vento que vem contra é bem gelado. O anoraque segura bem. Nessa hora você entende porque algumas pessoas sofrem de hipotermia nos Pirineus. A subida é íngreme, mas nada desesperador. Bem menos íngreme que várias trilhas feitas pelo Rio de Janeiro.











Falta só isso tudo pra chegar em Santiago... Dizem que até mais, que a placa está errada.

Na descida, as folhas secas no chão te lembram que você está no outono. É lindo. Cada vez que eu avançava, percebia que a altura de cobertura de folhas aumentava, até que chegou na minha canela. Achei aquilo o máximo, e tirei uma foto. Comecei a rir achando aquilo engraçado, até que caí. Sensação de piscina de bolas! Hehehe...



Folhas nas canelas.




Quando avistei o abrigo, vi que Kim e Lee, os coreanos, estavam lá dentro. Ia passar direto, mas eles me chamaram. Aproveitei para lanchar, e quando tirei a lata de Pringles da bolsa e os ofereci, eles comeram com gosto. Notei que estavam com fome. Concluí que haviam subestimado a fome e levaram pouco farnel. Os lábios do Kim estavam roxos, e eles se tremiam um pouco. Acho que subestimaram o frio também. Despedi-me deles, e segui meu caminho.

Abrigo

Já no primeiro dia você nota a quantidade de pessoas que morrem no Caminho, dadas as placas e cruzes em memória. Neste trajeto, dois me chamaram a atenção: Antonio Jorge Ferreira, que morreu em 2002, com 49 anos, e Gilbert Janeri, que morreu em 2013, com 43 anos, ambos do Brasil.


Mais à frente, encontrei os coreanos com outros 3 peregrinos. Eles me pediram que tirasse uma foto para eles. Fotografei, e segui. Um deles, o holandês Bram, me alcançou e puxou conversa, em inglês. O meu inglês é pífio, mas Bram falava tanto e perguntava tantas coisas, que eu tive que me virar e notei que dava pra me comunicar bem, mesmo com um inglês fraco. E que ouvir é muito mais fácil que falar. Isso acabou tornando a descida mais agradável, pois ela parece interminável. Bram estava com um carrinho no qual carregava a mochila e iniciou seu caminho na porta de sua casa, portanto aquele era seu 71º dia. Nem preciso dizer que fiquei boquiaberta, né? Muitos europeus que podem fazer isso, fazem. Ele disse que pediu demissão do trabalho e resolveu tirar esse tempo pra ele, e que quando finalizasse o Caminho, pensaria no que fazer com sua vida profissional.
Quando finalmente avistamos a Colegiata em Roncesvalles (albergue municipal), avisei que havíamos chegado (ele não sabia). Aí fui apresentada aos outros dois peregrinos: Charlotte, holandesa, e Jappie, belga. Todos extremamente simpáticos!

Felicidade de chegar em Roncesvalles!

Entramos no albergue, e aquilo é lindo e enorme! O time de hospitaleiros de lá é Holandês, achei aquilo meio estranho, afinal, estávamos na Espanha, mas tudo bem. Um deles me contou que tem família no Brasil. Daí cumpri a rotina de todo peregrino: tomar banho, lavar as roupas, comer. Aliás, você nota ao longo do Caminho que as únicas coisas que você precisa depois de um dia cansativo, são: chuveiro, cama e comida. Nada mais.

Albergue Municipal em Roncesvalles



A felicidade que dá ao constatar que você venceu a primeira etapa é enorme! Ainda mais se tratando de uma etapa linda e difícil! Enviei uma mensagem pra minha família e pros meus amigos: quem atravessou a fronteira da França para a Espanha pelo Pirineus levanta a mão! o/
Lavei minhas roupas à mão, não queria gastar com lavagem na máquina todo dia, mas logo depois me arrependi. O albergue vende a janta de um restaurante vizinho, e basicamente todo mundo compra, porque esta etapa é tão cansativa, que você chega com vontade de comer um boi, e quer resolver isso logo.
No restaurante, sentei na mesa com 3 mulheres, inclusive uma delas não era peregrina, estava apenas à passeio. Uma delas era canadense, devia ter na faixa dos 60 anos, e contou que seus filhos incentivaram muito que ela percorresse o Caminho (Go, Mommy!). Sinceramente não lembro da nacionalidade das outras. O idioma de conversa da mesa era o inglês, e desta vez foi um pouco mais difícil de acompanhar, mas no geral, foi ok. Aliás, isso me causou um estranhamento: se estou na Espanha, porque o idioma predominante entre os peregrinos é o inglês? Acontece que no início do Caminho, há peregrinos do mundo todo, então o idioma predominante acaba sendo o inglês. À medida que você vai chegando no final, o número de espanhóis vai crescendo (porque eles podem se dar ao luxo de fazer em trechos), e você se vê falando muito mais espanhol (portunhol, no meu caso, ou português mesmo, na maior cara de pau) que o inglês.
A comida estava ótima. Nem lembro o que era, mas de fato o melhor tempero pra comida é a fome. Ali no restaurante senti o cansaço pesar de forma absurda. Estava difícil manter os olhos abertos. Fomos para a missa de bênção de peregrinos, e quando esta foi feita, eu comecei a chorar que nem uma criança. Nem me pergunte os motivos, acho que são vários. O Caminho mexe muito com a gente.
Na saída da igreja, eu estava um pouco envergonhada da minha cara inchada de choro. Charlotte me abraçou, e me deu um sorriso, como quem quer dizer: está tudo bem.

4 comentários:

  1. O clima está ótimo. Me fale mais do clima.

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    1. Oi Diego, tudo bem? Então, considero que tive sorte, pois metade do caminho teve tempo bom e metade, tempo nublado. Semana passada fui na reunião da associação e uma senhora me informou que ela pegou mais frio (e neve) que eu, e ela foi em maio! Considero que acaba rolando um quesito "sorte" mesmo. A maior temperatura que peguei foi 18 graus, na metade do dia. Eu levei segunda pele (aquela aveludada) de calça e de camisa, casaco de fleece, anoraque, gorro, cachecol, luvas, meias grossas e buff (ecohead). Além obviamente das calças e camisas. Achei o ecohead essencial, pois quando o vento bate no rosto, é meio cruel. E é aquilo que falei no grupo, você tem que se preocupar com as extremidades (pés, mãos e cabeça). O que o Beto falou também é importante, se você puder investir em um saco de dormir que no conforto seja 0 graus, é ideal. o meu é 10 graus no conforto, então eu sempre recorria às mantas nos albergues, mas ficava bem quentinha. Um ou outro albergue tinha a calefação mais fraquinha. Os momentos em que você mais vai sentir frio é parado na sombra, à noite na rua e na hora de desligar o chuveiro, no banho. Fora isso, andando, ou dentro do albergue, você basicamente não sente frio, se estiver agasalhado adequadamente. Não tenha medo! Eu tive, mas fui assim mesmo e deu tudo certo! Ultreia, peregrino! Seu Caminho será lindo!

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