sábado, 31 de dezembro de 2016

9/12 – O Retorno pra Casa

Eu e Giovanna acordamos, arrumamos nossas coisas e fomos tomar café. Lá estavam Vicente, Frederico, e se eu não me engano, Xeli também. Tinha algo inusitado para um café-da-manhã: um líquido de tomate espremido, acho que com azeite, para passar no pão. Delicioso!
Despedimo-nos, e isso é extremamente esquisito, pois cai a ficha que a jornada pelo Caminho de Santiago realmente acabou. Como meu trem era bem cedo, quando saí na rua ainda estava bem escuro. É estranho ver as crianças acordadíssimas nas portas das escolas com o céu totalmente preto, assim como engarrafamentos de quem está indo trabalhar. O que dita a vida produtiva não é a luz do sol, e sim o horário.
Peguei o trem para o aeroporto de Madri e fiz escala em Roma antes de ir para o Brasil, assim como na ida. Em Roma a fila do controle de passaporte era gigante, e uma outra brasileira que ia pegar o mesmo vôo que eu estava com medo de que não desse tempo.
Quando cheguei no Brasil, fiquei um bom tempo esperando o meu cajado vir na esteira de bagagens, e aí quando lancei um olhar mais aberto no espaço (que eu tive que fazer muito durante o Caminho, para encontrar a direção), vejo que ele estava encostado num balcão, junto com outros itens que não podem ser colocados na esteira.
Senti uma ansiedade gigante no coração enquanto me comunicava com minha mãe e meu namorado, que estavam me aguardando do lado de fora. O Lindinho ainda tentou me trollar, mandando mensagem que deixava dúvidas se ele realmente estava ali me esperando ou se já estava no trabalho, mas eu não caí, hehe!
Quando avisto minha mãe, a lágrima vem naturalmente. Vejo Lindinho com um sorriso lindo e flores na mão. Havia um papel na mão da Popô onde estava escrito “Zaninha”, e outro na mão do Lindinho completava: “do meu coração”. Ai, que delícia! Viajar é maravilhoso (ainda mais no Caminho), mas voltar pra casa e estar com os seus é melhor ainda, né?
Tivemos dificuldade de encontrar onde Popô havia estacionado o carro. Eu estava radiante, querendo contar tudo. Senti a realidade do calorão do Rio de Janeiro, mas ao mesmo tempo fiquei feliz de olhar novamente minha cidade. Lindinho foi trabalhar e fomos pra casa. Só vi minha irmã à noite, quando ela chegou do trabalho.
Alguns dias depois, prepararam uma surpresa pra mim. Lindinho inventou que tinha que ir ao shopping comprar várias coisas pra ele (blusa, perfume), e queria que eu ajudasse. Nunca o vi tão consumista. E não parava de se comunicar pelo celular. Algo estranho tinha ali.
Quando cheguei em casa, várias pessoas queridas e um lanche caprichado! Estavam Kelly, Tio Roberto, Tia Ilce, Tia Lilian, Luiza e Lucas, além de Popô e Zuzi. Mostrei as fotos, fiz relatos e foi muito divertido! Lucas demonstrou muitos conhecimentos, inclusive sobre os Templários, e ao comentar “que altar-mor lindo!”, a Luiza concordou: “é mesmo, o altar é mó lindo!”. Hahaha, sensacional!
Passados alguns dias, fui reencontrando meus amigos aos poucos. Agradeci muito à Associação, e principalmente à Inês, Silvia, Karine, Carla, Claudomiro, Flávio e Diógenes, que muito me ajudaram. No Natal, mandei mensagem no grupo de Whatsapp perguntando pelo Roberto, que estava passando o Natal no Caminho. Alguns minutos depois recebi um e-mail dele, desejando Feliz Natal e dizendo que estava tudo bem no Caminho, e pedindo que o adicionasse novamente no grupo, pois sem querer havia saído. Ou seja, ele não viu a minha mensagem perguntando sobre ele, mas minutos depois me “respondeu” por e-mail. Muito doido esse universo, né? Hehe... Acompanhamos por fotos os caminhos branquinhos do Roberto e da Rosângela, tão lindos e diferentes do meu!
Inês me convidou para fazer uma apresentação em uma das reuniões da associação, e assim o fiz, em fevereiro desse ano, mas cheia de vergonha de falar em público. A minha apresentação foi objetiva, para falar as particularidades de fazer o Caminho no frio. Roberto estava lá e também se apresentou, e colocou meu frio no chinelo com suas fotos repletas de neve, hahaha! Seu relato foi bem emocionante!
Reconheci Fabiano na reunião, e o cumprimentei. Ele também estava no grupo de Whatsapp e pretendia fazer o Caminho em março. Dias depois marcamos um encontro, e fomos: Fabiano, Roberto, Almir (amigo do Roberto interessado em fazer o Caminho), Lindinho e eu. Conversamos sobre nossos caminhos e passamos boas vibrações para Fabiano e seu Caminho. Ele se mostrou muito grato!
Acompanhamos por fotos o caminho do Fabiano, Diego e Flávio, e foi muito bacana! 1 ano depois de ter iniciado meu caminho, acompanhei algumas postagens do caminho do Claudomiro. Ele mesmo, o primeiro peregrino que eu fiz contato, que iria na mesma época que eu, mas que teve que adiar os planos. Fiquei muito feliz por ele!
E agora sigo caminhando no Caminho da Vida, esse tão ou mais fascinante que o Caminho de Santiago. Se pretendo voltar? Se Deus quiser, quero fazer várias outras vezes, em outras estações, outros Caminhos (Aragonês, Português, Primitivo, etc). Se eu mudei? Acho que não tanto, mas certamente internamente algumas coisas mudaram após o Caminho. Um membro da associação disse-me que o Caminho não terminou, e que eu ia entender o que isso queria dizer em alguns meses ou anos. Posso constatar que é verdade. O ano após o Caminho (2016) foi um ano especial pra mim, apesar de ter sido um ano complicado para nós, brasileiros. Senti-me mais atuante em minha vida (ao invés de deixar o piloto automático comandar sempre), realizei sonhos, tive consciência de sentimentos ruins dentro de mim, vi o universo trabalhando a meu favor, me enviando mensagens... E sei que estou só no começo. Hoje, 1 ano após o Caminho, posso dizer que estou caminhando mais do que nunca!

O guia do meu Caminho!

domingo, 13 de novembro de 2016

08/12 – Passeio em Santiago de Compostela

            A recepcionista da Casa do Peregrino havia me dado um aquecedor portátil, pois a calefação do quarto não estava ok. O equipamento era potente, pois suei a noite toda. Acordei cedo pra pegar a roupa na lavanderia que havia ficado presa no dia anterior, mas ela ainda estava fechada e não tinha ninguém na recepção. Teve jeito não, tive que lavar e secar um calcinha e vestir roupa suja mesmo.
            Era dia de Imaculada Conceição e a cidade estava bem cheia. Achei que entrei cedo o suficiente na catedral, mas já estava lotada e foi muita sorte conseguir um lugar para sentar. A missa foi especial, com procissão e botafumeiro. Dessa vez fiquei na lateral, e vi todo o percurso do balançar do botafumeiro. Se você fica de frente pro altar, não vê tudo. É um cheiro ótimo e é emocionante, assim como toda a missa. Vi as crianças peregrinas sentadas no chão lá na frente, uma fofura!

Catedral


Paço de Raxoi, sede do governo galego.

Botafumeiro

Botafumeiro

Lindo!

Maquete: ah tah, pelo visto sacudir o tapete pela janela é uma tradição...

            Como a Casa do Peregrino estaria fechada para a próxima noite, fiz check-in na Hospedería San Martin Pinario, por indicação do Vicente, e dividi um quarto com Giovanna. O local foi um mosteiro no passado e é incrível de lindo.
            Combinei com Manu, Kim e Lee de almoçarmos juntos, e fomos para a Casa Manolo. Outros peregrinos almoçaram conosco e foi muito agradável e divertido. Vicente, Xeli e Giovanna estavam por lá também. Bruno havia chegado em Santiago naquele dia e me perguntou por Whatsapp onde poderia almoçar, visto que estava cheio de fome. Indiquei o local onde estava, e quando levantei para ir embora e pagar, o vi sentado comendo. Nos abraçamos, e eu lhe dei parabéns por ter completado esta maravilhosa jornada!
            Quando estava pagando, carimbei minha credencial e o senhor que estava no caixa comentou que conhecia as pessoas da AACS-Brasil. Foi aí que me dei conta: é verdade, é este restaurante que o pessoal da Associação recomenda! Que coincidência, comi aqui 2 vezes e nem foi proposital! Perguntei: você que é o Manolo? Ele me disse: não é o meu nome, mas é como o pessoal da Associação me chama! Hahaha, muito bacana!
            Saímos do restaurante e encontramos peregrinos conhecidos. Manu havia falado que iria comprar uma vieira pra ela, visto que não tinha e nem ganhou durante todo o Caminho. Tratei rapidamente de comprar uma pra presenteá-la, afinal é tradição, né? A vieira deve ser um presente. Ela ficou muito feliz! Comprei algumas também para novos peregrinos da Associação.
Despedi-me desses amigos. É muito estranho, você pensa: nunca mais vou ver essas pessoas?

Almoço agradável.

Despedida!

Presente pra Manu!

Fiz compras sem pensar muito na conversão de moedas, afinal eu havia economizado bastante durante o Caminho. Fui no Parque da Alameda, indicado por Diógenes e de lá vi um pôr-do-sol alaranjado. Fui no museu da catedral e amei, achei muito interessante. Por fim senti aquela ansiedade de turista e percebi que prefiro ser peregrina que turista. Turista quer comprar e bater meta de passeio e visitação. Peregrino só quer viver o momento. Hehehe, claro que isso não é uma regra, estou generalizando, e generalizações não são legais. Mas vale a reflexão.




Chegando no Parque Alameda.





Final da visita ao Museu da Catedral.



Praça do Obradoiro



Eu, Bruno e Diógenes marcamos de fazer uma refeição juntos, mas rolou desencontro. Fui umas 2 vezes na Praça do Obradoiro encontrá-los, mas nada. Por fim jantei sozinha na hospedaria, e havia um grupo de brasileiros turistas na mesa ao lado. Quando conversamos e contei a eles que era peregrina, eles ficaram curiosos. Uma senhora perguntou sobre o percurso do Monte do Gozo até Santiago, e um amigo perguntou rindo se ela iria fazer. Ela disse com firmeza: eu vou!

domingo, 30 de outubro de 2016

07/12 – Pedrouzo a Santiago de Compostela

            Foi difícil pegar no sono na noite do dia 6 pro dia 7. Era muita ansiedade! Mas quando consegui, dormi bem. Acordei 6:40, 5 minutos antes do despertador tocar. Tirei a vieira da mochila e a coloquei no meu pescoço, afinal aquele era um dia especial! Como as meninas saíram do albergue às 8, saí também. Mas elas ainda foram tomar café. Eu já havia tomado no albergue, então segui sozinha pro Caminho.
            Como ainda estava escuro, fui pela estrada até o ponto onde eu tinha parado no dia anterior, ao passar da cidade. Depois disso entrei no caminho propriamente dito e confesso que senti um pouco de medo, pois ainda não estava claro. Achava que era a primeira peregrina a ter saído de Pedrouzo, mas depois de um tempo vi um peregrino na minha frente.

Ainda bem escuro.

Já na trilha, amanhecendo.
            Durante a trilha, nuvens iam se fechando rapidamente, como cortinas de teatro. Parecia até a preparação de Deus pro espetáculo. Depois de um tempo, alguns peregrinos me passaram. Eles tinham muita pressa! Um deles era aquele francês que se preocupou comigo quando eu tive o problema com dinheiro. Ele estava com os olhos marejados. Afinal, ele caminhava desde a sua casa, na França. Quando eu pensava em reencontrar minha mãe, já chorava.



Ops, quem vem ali?








Santiago





            Parei um momento para lanchar, e comi uma torta de maçã. Quando cheguei no Monte do Gozo, esperava avistar a catedral. Não enxerguei nada, estava muito nublado. De fato choveu. E foi lindo, para lavar a alma mesmo.
            Comecei a cantar minha música escolhida, “O Que é, O Que é?”, de Gonzaguinha. O choro vinha e ia, a todo o momento. Quando você entra em Santiago, pensa: Meu Deus, cheguei! Que nada, a cidade é grande, você ainda vai andar bastante até a catedral. Um peregrino corria e me pediu pra tirar uma foto dele, logo na entrada da cidade. Que disposição pra fazer o Caminho correndo.

Monte do Gozo


Descendo rumo à Santiago.


Já em Santiago

            Mais próximo da catedral tinha muita gente. Eu já estava cansada de andar. Muita dor nos pés, muito cansaço. Quando desço a escada ali na lateral da catedral, entrando na Praça do Obradoiro, há uma pessoa tocando harpa. O coração não agüenta, ali desatei a chorar que nem uma criança.
            Quando me coloco de frente pra catedral, olhando pra ela, mais choro, muito choro. E estou chorando agora ao escrever esse relato, só de lembrar. Recolhi minha cabeça pra baixo chorando mais, segurando o cajado com as duas mãos. E de repente escuto: “Jana!”. Era a voz da Manu, que estava junto com Kim, Lee, Jung e David, que haviam chegado 1 dia antes. Vieram me abraçar e aí chorei mais ainda. Que recepção! Enviada por Deus, não é não? Não via Kim e Manu desde a metade do Caminho, Lee e Jung encontrei 1 vez depois desse tempo sem vê-los, e David conheci justamente na segunda metade do Caminho. Quem diria que estariam ali em frente à catedral no exato momento em que eu cheguei? Deus os colocou ali para que eu fosse recebida de braços abertos e com uma recepção calorosa. Logo depois, escuto um senhor perguntar pra um deles: é a Janaina? Quando olho, pergunto: Diógenes? Era ele mesmo, um peregrino brasileiro que fez o Caminho Português, havia chegado em Santiago há alguns dias e estava no grupo de Whatsapp que eu criei. Outra recepção maravilhosa! Ele conversou comigo, falou de um parque público da cidade, e me levou na Oficina de Peregrinos. Muito obrigada pelo carinho, Diógenes! Ele se despediu, carimbei minha credencial e peguei minha Compostelana (que orgulho). Deixei a mochila em um local que cobra por isso, pois não podemos entrar com ela na catedral. Lá, encontrei aquele casal simpático com quem visitei o Monastério de Samos. Eles pediram pra tirar uma foto comigo, como recordação, e fiz o mesmo.

Chegueeeei! Cara inchada de tanto chorar!

Manu, Lee, David, Jung.





Casal simpático!
            A catedral estava lotada de turistas, com filas. É impressionante como de repente você deixa de ver tantos peregrinos, pois os turistas predominam. Fui cumprir as tradições do peregrino. Visitei o sepulcro do Santo e rezei um pouquinho. Entrei na fila pra abraçar Santiago. A imagem era linda, inclusive por trás, que é por onde você passa para abraçá-lo. As pessoas abraçavam muito rapidamente ou só tocavam. Abracei e comecei a chorar muito. Fiquei um tempo agarrada nele. Muito obrigada por essa experiência maravilhosa, Santiago! Obrigada por me guardar durante todo o Caminho!
            Não bati a cabeça na do Mestre Mateo, pois o Portal da Glória estava em obras. Esse é mais um ritual dos peregrinos, para receber a sabedoria desse arquiteto (Mestre Mateo), autor do Portal da Glória. Saí da catedral e andei bastante para achar um ponto pagador e pegar o restante do meu dinheiro (Lindinho havia solicitado novo saque emergencial). Depois disso, procurei a Casa do Peregrino, pensão que foi indicação daquele casal brasileiro que conheci em Burgos. Avisei família e amigos da conclusão do meu Caminho, muito feliz!
            A missa foi muito emocionante. Eu sentei na lateral, mas quando vi dois peregrinos conhecidos nas cadeiras de frente para o altar, fui pra lá. Foi uma ótima escolha, explico o porquê no relato do próximo dia. O altar aceso é mais lindo ainda. Aqui vai uma homenagem para Luiza e Lucas: que altar mó lindo! Ops, quer dizer, que altar-mor lindo! Na missa eles falam de onde são os peregrinos que chegaram naquele dia, e onde começaram. Falaram que tinha gente do Brasil que começou em Saint Jean. Dá vontade de gritar: sou eeeeu!!! Falaram também de peregrinos brasileiros que começaram em outras cidades, mas não consegui entender e identificar quais eram. A peregrina espanhola teve que sair no meio da missa, pois tinha horário pra viagem de volta pra casa.





Santiago
            Em algum momento do dia eu havia encontrado o Vicente, que acabara de chegar, e disse que iria dar uma volta ao redor da catedral, em sentido horário, com o ombro direito voltado pra catedral, conforme tradições budistas. Depois da missa o encontrei e fomos jantar na Casa Manolo, por indicação dele. Escolhi caldo galego de entrada (delícia, lembra o caldo verde e tem feijão branco) e um escalope como segundo prato. Não agüentei comer tudo, os pratos são muito bem servidos!
            À noite na pensão, estava zapeando na TV quando reconheci uma paisagem. Era um documentário sobre o Brasil. Falou das favelas do Rio de Janeiro, falou da contaminação das águas...

Meu quarto na Casa do Peregrino.

Compostelana e Credencial carimbada.