sábado, 30 de julho de 2016

28/11 – Rabanal Del Camino a Molinaseca

O início da caminhada foi com a lua cheia presente e toda lindona. Logo depois, um espetáculo de cores no céu e uma vermelhidão tomando conta da paisagem. Ahhhh, como eu amo o céu, principalmente no nascer e no pôr do sol!

Minha fotografia não consegue demonstrar a beleza que estava o céu.

Lua Cheia




Zaninha Peregrina




Adoro essa vermelhidão!

Acordei com uns pensamentos um pouco negativos a respeito de uma situação. Depois de Foncebadón, chega-se na Cruz de Ferro, um lugar que tem um simbolismo importante no Caminho de Santiago. Nem senti a subida, cheguei tranquilamente. Durante a subida, em alguns momentos a neblina tomava conta, em outros o céu se abria. No início da caminhada, tinha um peregrino espanhol próximo, mas quando cheguei na Cruz de Ferro, estava sozinha. Lá é um lugar onde os peregrinos costumam deixar alguma pedra que trouxeram de casa ou que pegaram no caminho. Simboliza deixar seus problemas para trás, superando-os. Alguns deixam fotos, mensagens, objetos... Eu levei uma pedra que ganhei na Associação, e mentalizei todo o desprendimento de problemas, fardos e sofrimentos que eu carregava. Toda a cobrança que eu me fazia, toda a angústia, preocupação, todo o “fazer questão de sofrer”, nada disso podia me acompanhar mais, nada disso fazia sentido e era necessário.
Quando por fim joguei a pedra, senti leveza, sabe? Segui, olhei pra trás, e vi que tinha um peregrino chegando. Até isso Deus reservou a mim. Um momento sozinha na Cruz de Ferro, para que pudesse me concentrar. Recebi uma mensagem muito especial da minha psicóloga, sobre saber perdoar, e sobre amor. Iniciei a descida percebendo que aqueles pensamentos negativos do início do dia podiam ser substituídos por pensamentos de generosidade e amor. E assim o fiz. Mas é difícil, viu? Controlar a mente é algo que ainda estou tentando aprender.


A Cruz de Ferro



Deixando meus problemas pra trás.

E o céu se abriu!




Uma vaca feliz e saltitante vinha em minha direção. Fiquei um pouco receosa. Pensei: calma, vaquinha, menos euforia, menos. Tive medinho e desci pra estrada. Fiquei na dúvida se estava tomando o caminho certo. Até que cheguei em Manjarín, e avistei uma casa cheia de bandeiras de vários países. Eu pensei: não vou entrar não, vou comer meu sanduíche na próxima cidade. Aí uma senhora me chamou, perguntou se eu não queria um café. Eu agradeci, e disse que não. Ela desceu pra falar comigo. Perguntou em que cidade eu ia parar e falou pra eu seguir pela estrada a partir de determinado ponto, visto que estava cheio de pedras soltas no caminho. Ela insistiu: não quer mesmo um café? Eu perguntei: “Você não tem suco? É que não gosto de café”. Aí ela: acho que tenho, vamos lá ver.



Vaca feliz e saltitante.

Manjarín

Entrei no local, e tinha uma espécie de defumador com muita fumaça. Cumprimentei os rapazes que estavam lá dentro, um deles carimbou minha credencial. Comi meu sanduba e bebi o suco. Um senhor chamado Tomás chegou no ambiente, perguntou de onde eu era, e disse que conhece a Inês, diretora da Associação, e que já ficou na casa dela quando foi ao Brasil. Pediu que eu mandasse um abraço. Logo em seguida começou uma música bonita, tipo canto gregoriano. Em seguida, tocou Ave Maria. Vestiram uma capa de Templário no Tomás, e eu fiquei com aquela cara de bocó, sem entender nada. Ele falou, olhando pra porta: deixem eles entrarem, são peregrinos, estão em casa. Eu olhei pra porta e não vi ninguém passando. Então tá, né? Tomás pegou uma espada de Templário, a senhora pegou na minha mão e falou que ia começar a oração. Todos se voltaram para a imagem de Maria, inclusive eu. Ele fez uma oração. Em seguida, começou a falar uma série de coisas, e como era muito rápido, eu captei algumas. Falou da energia cósmica de Manjarín, falou do Oriente Médio, do Brasil... Falou de uma situação que está pra acontecer e que vai eliminar muitos seres humanos de uma só vez do planeta, da inclinação da Terra que está mudando, e que isso mexe com os oceanos... Disse que se eu estava ali naquele momento, tinha um motivo especial.
Meu corpo esfriou e minha pressão começou a cair. Eu tentei segurar, mas teve uma hora que perguntei se poderia sentar. Ele disse: claro. E continuou o discurso. Disse que a oração chega em quem tem que chegar. Nessa hora que sentei, um cachorro da casa grudou em mim e ficou todo esquisito, emitindo sons estranhos. Tomás seguiu dizendo que Maria pede a nós muita oração, meditação, pensamentos e introspecção. Que tem um grupo trabalhando pra tentar reverter o problema do Oriente Médio, e que o povo de lá está pagando pelo que seus antepassados fizeram. Falou da situação cósmica do Brasil e do fato de ter várias religiões no mesmo local, diferentemente de quase toda Europa. Disse que lá na Espanha tem muita gente com cabeça aberta, com quem ele gosta de conversar, mas que outros são muito cabeça fechada. E disse que como lá foi um local da Inquisição, ainda iriam pagar por isso.
Enfim, foi muito bacana e curioso. Pedi pra tirar uma foto com eles, agradeci, deixei donativos e saí de lá completamente desnorteada. Fiquei uns 40 minutos por lá, e em todo esse tempo, nenhum outro peregrino entrou no local! Segui caminhando meio que nas nuvens. Visuais maravilhosos, pueblos lindos, tempo excelente. Passei por El Acebo e Riego de Ambrós. Alcancei um casal simpático de espanhóis que iniciou a caminhada do dia em Foncebadón. 

Tomás, a senhora que me convidou pra entrar e o cachorro.













Pueblo à Vista!




Lindeza, né?


Telhado verde, hehehe!










Coisinha linda!


Casal simpático de espanhóis.



















A minha idéia era ir até Ponferrada, mas quando cheguei em Molinaseca, já estava muito cansada, e não queria caminhar 33 km. Pensei: vou me presentear ficando num hostal, sabe? Eu mereço, e esse pueblo é tão bonitinho...
Perguntei numa quitanda sobre hostal, ela me indicou um, mas quando bati e abri a porta, o senhor disse que não estava funcionando, pela baixa temporada. Indicou-me outro, que tem quartos em cima de um restaurante. Assim o fiz. Quando entrei no quarto, fiquei desnorteada, já tinha me desacostumado daquela privacidade, conforto e tamanho de quarto e de banheiro só pra mim.

Chegando em Molinaseca.


Igreja



Hostal! 

Ai que gracinha, acho que vou ficar aqui mesmo.


Relatei pra minha família o ocorrido do dia, toda empolgada. Minha mãe respondeu: “Cruz credo! Que fumaça é essa? Que lugar é esse?” Meu namorado e minha irmã foram na mesma linha. Que insensíveis... Pelo menos meus amigos da faculdade me entenderam e falaram: que máximo, Jana! A preocupação da minha família era em relação a ter cuidado, porém expliquei pra eles que quando estava comendo o sanduíche e bebendo o suco, peguei meus papéis pra verificar o trajeto e li que tinha anotado uma observação do livro que havia lido: que Manjarín era um lugar mágico, que tinha um albergue precário e sem calefação no meio do nada, mas que a equipe fazia a diferença, e que Tomás fazia uma cerimônia templária.
Lavei roupa na mão, e demorei um pouco. O quarto tinha um aquecimento super potente. Tinha banheira, mas eu não consegui encher. Quando perguntei sobre, me falaram que não era permitido. Também né, por um valor relativamente baixo, seria luxo demais.
Pensei em ir na igreja, mas uma menina me informou que não estava aberta. Comi sozinha no restaurante, muito agradável por sinal. Como era sábado, havia algumas famílias jantando lá, com crianças correndo por todo o canto. Depois de tanta comida e vinho, só me restou ficar prostrada.