domingo, 30 de outubro de 2016

07/12 – Pedrouzo a Santiago de Compostela

            Foi difícil pegar no sono na noite do dia 6 pro dia 7. Era muita ansiedade! Mas quando consegui, dormi bem. Acordei 6:40, 5 minutos antes do despertador tocar. Tirei a vieira da mochila e a coloquei no meu pescoço, afinal aquele era um dia especial! Como as meninas saíram do albergue às 8, saí também. Mas elas ainda foram tomar café. Eu já havia tomado no albergue, então segui sozinha pro Caminho.
            Como ainda estava escuro, fui pela estrada até o ponto onde eu tinha parado no dia anterior, ao passar da cidade. Depois disso entrei no caminho propriamente dito e confesso que senti um pouco de medo, pois ainda não estava claro. Achava que era a primeira peregrina a ter saído de Pedrouzo, mas depois de um tempo vi um peregrino na minha frente.

Ainda bem escuro.

Já na trilha, amanhecendo.
            Durante a trilha, nuvens iam se fechando rapidamente, como cortinas de teatro. Parecia até a preparação de Deus pro espetáculo. Depois de um tempo, alguns peregrinos me passaram. Eles tinham muita pressa! Um deles era aquele francês que se preocupou comigo quando eu tive o problema com dinheiro. Ele estava com os olhos marejados. Afinal, ele caminhava desde a sua casa, na França. Quando eu pensava em reencontrar minha mãe, já chorava.



Ops, quem vem ali?








Santiago





            Parei um momento para lanchar, e comi uma torta de maçã. Quando cheguei no Monte do Gozo, esperava avistar a catedral. Não enxerguei nada, estava muito nublado. De fato choveu. E foi lindo, para lavar a alma mesmo.
            Comecei a cantar minha música escolhida, “O Que é, O Que é?”, de Gonzaguinha. O choro vinha e ia, a todo o momento. Quando você entra em Santiago, pensa: Meu Deus, cheguei! Que nada, a cidade é grande, você ainda vai andar bastante até a catedral. Um peregrino corria e me pediu pra tirar uma foto dele, logo na entrada da cidade. Que disposição pra fazer o Caminho correndo.

Monte do Gozo


Descendo rumo à Santiago.


Já em Santiago

            Mais próximo da catedral tinha muita gente. Eu já estava cansada de andar. Muita dor nos pés, muito cansaço. Quando desço a escada ali na lateral da catedral, entrando na Praça do Obradoiro, há uma pessoa tocando harpa. O coração não agüenta, ali desatei a chorar que nem uma criança.
            Quando me coloco de frente pra catedral, olhando pra ela, mais choro, muito choro. E estou chorando agora ao escrever esse relato, só de lembrar. Recolhi minha cabeça pra baixo chorando mais, segurando o cajado com as duas mãos. E de repente escuto: “Jana!”. Era a voz da Manu, que estava junto com Kim, Lee, Jung e David, que haviam chegado 1 dia antes. Vieram me abraçar e aí chorei mais ainda. Que recepção! Enviada por Deus, não é não? Não via Kim e Manu desde a metade do Caminho, Lee e Jung encontrei 1 vez depois desse tempo sem vê-los, e David conheci justamente na segunda metade do Caminho. Quem diria que estariam ali em frente à catedral no exato momento em que eu cheguei? Deus os colocou ali para que eu fosse recebida de braços abertos e com uma recepção calorosa. Logo depois, escuto um senhor perguntar pra um deles: é a Janaina? Quando olho, pergunto: Diógenes? Era ele mesmo, um peregrino brasileiro que fez o Caminho Português, havia chegado em Santiago há alguns dias e estava no grupo de Whatsapp que eu criei. Outra recepção maravilhosa! Ele conversou comigo, falou de um parque público da cidade, e me levou na Oficina de Peregrinos. Muito obrigada pelo carinho, Diógenes! Ele se despediu, carimbei minha credencial e peguei minha Compostelana (que orgulho). Deixei a mochila em um local que cobra por isso, pois não podemos entrar com ela na catedral. Lá, encontrei aquele casal simpático com quem visitei o Monastério de Samos. Eles pediram pra tirar uma foto comigo, como recordação, e fiz o mesmo.

Chegueeeei! Cara inchada de tanto chorar!

Manu, Lee, David, Jung.





Casal simpático!
            A catedral estava lotada de turistas, com filas. É impressionante como de repente você deixa de ver tantos peregrinos, pois os turistas predominam. Fui cumprir as tradições do peregrino. Visitei o sepulcro do Santo e rezei um pouquinho. Entrei na fila pra abraçar Santiago. A imagem era linda, inclusive por trás, que é por onde você passa para abraçá-lo. As pessoas abraçavam muito rapidamente ou só tocavam. Abracei e comecei a chorar muito. Fiquei um tempo agarrada nele. Muito obrigada por essa experiência maravilhosa, Santiago! Obrigada por me guardar durante todo o Caminho!
            Não bati a cabeça na do Mestre Mateo, pois o Portal da Glória estava em obras. Esse é mais um ritual dos peregrinos, para receber a sabedoria desse arquiteto (Mestre Mateo), autor do Portal da Glória. Saí da catedral e andei bastante para achar um ponto pagador e pegar o restante do meu dinheiro (Lindinho havia solicitado novo saque emergencial). Depois disso, procurei a Casa do Peregrino, pensão que foi indicação daquele casal brasileiro que conheci em Burgos. Avisei família e amigos da conclusão do meu Caminho, muito feliz!
            A missa foi muito emocionante. Eu sentei na lateral, mas quando vi dois peregrinos conhecidos nas cadeiras de frente para o altar, fui pra lá. Foi uma ótima escolha, explico o porquê no relato do próximo dia. O altar aceso é mais lindo ainda. Aqui vai uma homenagem para Luiza e Lucas: que altar mó lindo! Ops, quer dizer, que altar-mor lindo! Na missa eles falam de onde são os peregrinos que chegaram naquele dia, e onde começaram. Falaram que tinha gente do Brasil que começou em Saint Jean. Dá vontade de gritar: sou eeeeu!!! Falaram também de peregrinos brasileiros que começaram em outras cidades, mas não consegui entender e identificar quais eram. A peregrina espanhola teve que sair no meio da missa, pois tinha horário pra viagem de volta pra casa.





Santiago
            Em algum momento do dia eu havia encontrado o Vicente, que acabara de chegar, e disse que iria dar uma volta ao redor da catedral, em sentido horário, com o ombro direito voltado pra catedral, conforme tradições budistas. Depois da missa o encontrei e fomos jantar na Casa Manolo, por indicação dele. Escolhi caldo galego de entrada (delícia, lembra o caldo verde e tem feijão branco) e um escalope como segundo prato. Não agüentei comer tudo, os pratos são muito bem servidos!
            À noite na pensão, estava zapeando na TV quando reconheci uma paisagem. Era um documentário sobre o Brasil. Falou das favelas do Rio de Janeiro, falou da contaminação das águas...

Meu quarto na Casa do Peregrino.

Compostelana e Credencial carimbada.

domingo, 23 de outubro de 2016

06/12 – Arzúa a Pedrouzo

            O dia começou com bastante névoa, e mesmo assim o nascer do sol foi lindo. Fiquei assistindo o sol subir.
            O dinamarquês sem noção contou todo orgulhoso que foi pra night, e como voltou pro albergue em um horário em que o mesmo já estava fechado, pulou o muro. Vicente comentou comigo que notou que eu esperei clarear para sair do albergue em Palas, no dia anterior. Ele disse: não precisa se preocupar com segurança.

A alvorada.









Vaquinhas



            O caminho estava cheio (feriadãããão), teve um momento que teve até fila. Vi novamente as crianças, era um grupo grande de uma escola, carregavam até bandeiras e faixas e estavam com seus pais e professores. Puxei conversa com um deles, sobre o desenho que pintou e carregava pendurado no pescoço. Ele me disse: é Santiago! Tinha um desenho de vieira no pescoço também. Elogiei a obra de arte, ele me perguntou: você é italiana?
            Dizem que você tem que descer o Monte do Gozo e chegar em Santiago cantando sua música preferida, ou uma música que goste muito. Eu estava há alguns dias pensando em qual seria. Queria que fosse uma que falasse de felicidade. Neste dia, as crianças me deram a inspiração: O Que é, O Que é?, de Gonzaguinha.

“Eu fico com a pureza das respostas das crianças:
É a vida! É bonita e é bonita!
Viver e não ter a vergonha de ser feliz,
Cantar,
A beleza de ser um eterno aprendiz
Eu sei
Que a vida devia ser bem melhor e será,
Mas isso não impede que eu repita:
É bonita, é bonita e é bonita!
E a vida? E a vida o que é, diga lá, meu irmão?
Ela é a batida de um coração?
Ela é uma doce ilusão?
Mas e a vida? Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é? O que é, meu irmão?
Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo,
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo,
Há quem fale que é um divino mistério profundo,
É o sopro do criador numa atitude repleta de amor.
Você diz que é luta e prazer,
Ele diz que a vida é viver,
Ela diz que melhor é morrer
Pois amada não é, e o verbo é sofrer.
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé,
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser,
Sempre desejada por mais que esteja errada,
Ninguém quer a morte, só saúde e sorte,
E a pergunta roda, e a cabeça agita.
Fico com a pureza das respostas das crianças:
É a vida! É bonita e é bonita!
É a vida! É bonita e é bonita!”

            Comecei a ensaiar a cantoria e me emocionei. Tem tudo a ver com o que o Caminho representou pra mim. Ai, que inspiração delícia! Recadinho enviado por Deus, não é não?

Crianças no caminho: inspiração!





            Passamos por Salceda, Santa Irene e Rúa. Em certo momento, eu notei que Pedrouzo não chegava, e eu parecia já ter andado mais do que a distância até esta cidade. Perguntei pra moradores, eles disseram que eu havia passado em torno de 3 km, mas que tinha um restaurante/hostel mais ou menos próximo. Fiquei meio chateada, fui até o local, e perguntei pro atendente. Ele disse que tinha quarto sim, mas eu seria a única pessoa hospedada, ou seja, ficaria sozinha naquela edificação. Disse inclusive que eu teria que devolver a chave no dia seguinte às 10 horas, e que então ele poderia me levar de carro até Pedrouzo. Pensei, e resolvi voltar. Ele me indicou que voltasse pela estrada, pra ser mais rápido. Que imprevisto pro penúltimo dia, heim? 6 km a mais. Mas tudo bem. O Caminho e a vida são feitos de imprevisibilidade.


Ovelhinhas


Pastor e suas ovelhas.



Cadeirante







            Procurei retornar bem rápido. Não sei se foi nesse dia ou no dia seguinte, mas eu identifiquei o momento que errei: tinha uma entrada pra cidade, e eu segui em frente, ou seja, não notei a entrada.
            Fiquei em um albergue bem bonitinho, o Rem (indicação de alguém). Eu já estava sem memória pras fotos, e o hospitaleiro me ajudou a descarregá-las, utilizando seu notebook. Lá no albergue também estavam Xeli, Giovanna e a outra senhora espanhola. Quando saímos pra comer em um restaurante bem indicado (que eu esqueci o nome), encontramos na rua o Francesco, já “no brilho”, afinal, era véspera da nossa chegada em Santiago! Ele gritou: “Joana! Toma: é bota!”, e me ofereceu uma bebida em um recipiente de tecido que realmente parece uma bota. Eu perguntei: o que é isso? Ele, no brilho: é bota! Hahaha! Recusei e segui com as meninas.
            A nossa janta foi sensacional. Dividi uma salada com chuleta e batatas e bebi vinho. Giovanna e Xeli dividiram um risoto de legumes lindo. Quando conversei com minha família, contei todas as novidades, animadíssima, e disse: é amanhã! Falei do sentimento dúbio: alegria por estar chegando, e o sentimento de: puxa, já acabou? Minha mãe falou: não acabou, o caminho continua por toda a vida, lembra? É verdade. Ela disse que ia marcar uma coletiva de imprensa, pois muita gente queria saber sobre o caminho. Hahaha. E eu falei que iria fazer este blog.

Nosso jantar sensacional.
Por fim, no albergue o hospitaleiro disse que a previsão do dia seguinte seria de chuva. Eu disse: chuva? Que maravilhoso! E por todo o caminho, nem choveu de verdade, peguei só um chuvisco mixuruca em um dia. Vamos lavar a alma chegando em Santiago! Amém!!!