sábado, 5 de março de 2016

9/11 – Estella a Los Arcos

            Se tem uma coisa que você também faz no Caminho é dormir. Esta noite por exemplo, fui dormir às 21 hs e acordei quase 7 hs, ou seja, 10 horas de sono. O mínimo que dormi em todo caminho foram 8 horas, e em alguns dias cheguei a dormir 11 ou 12 horas. O cansaço ajuda, a falta de TV te faz sentir sono mais cedo, e em alguns pueblos não tem nada aberto além do albergue. Se foi um dia que você chegou cedo no albergue então, melhor ainda. O que você geralmente tem a fazer quando chega é tomar banho, arrumar suas coisas, lavar sua roupa, comer, escrever, ler, papear com os peregrinos, pensar sobre a vida... Tem muitos peregrinos que assim que chegavam da caminhada, se tacavam na cama e tiravam uma soneca, pra depois cumprir sua rotina. Eu quase nunca fiz isso, preferia ir dormir de uma vez, mais tarde.
            Lembra da história que contei na última postagem sobre São Veremundo de Irache? Pois é, depois de passar de Ayegui, chegamos num local onde todos os peregrinos anseiam chegar: a fonte de vinho das Bodegas Irache. É isso mesmo que você leu, vinho de graça, saindo de uma torneira. Que maravilha, né? Um carinho pro peregrino... O vinho não é um supra-sumo, mas é gostoso. Os espanhóis disseram que a marca tem boa reputação. E cai beeeeemmm... Fiquei relaxadona e fui caminhando leve, no brilho, feliiiz... Eu não tinha copo, peguei um emprestado com um bicigrino. Há uma placa informando que não pode encher garrafa e há câmeras. Mas Lee não fez cerimônia e encheu uma garrafa, hahaha!
            
Patinhos


Vieira - sinalização.






Ahhh, o que esperávamos...

Vinho direto da torneira! Uhuuul!

            Sobre as fontes, há fonte de água por todo o Caminho, ou seja, você não precisa levar grande quantidade de água na mochila. Como eu não sou uma boa bebedora de água (isso é ruim), eu nunca usei nenhuma fonte. Enchia na torneira do albergue as minhas 2 garrafinhas que totalizavam 1 litro, e era isso que eu bebia durante a caminhada. Se fizesse o Caminho no verão, certamente eu iria recorrer bastante às fontes.
Além de Ayegui, passa-se por Azqueta e Villamayor de Monjardín. O tempo estava uma delícia pra caminhar - sol com friozinho - e meu corpo estava reagindo bem, só senti dor no final (será que o vinho me anestesiou?). Tiramos ótimas fotos caminhando num descampado. Em um momento, quando Bram, Jappie e eu estávamos lanchando, Jappie fez um sanduíche (bocadillo) de tomate e cream cheese. Vixi, que combinação perfeita! Perdemos Charlotte, pois ela optou por cuidar de seu pé, que tinha muitas dores, e não quis caminhar neste dia. Se eu não me engano, ela ia procurar atendimento médico. Foi uma pena... Este é o Caminho imitando a vida, que tem encontros e desencontros... No albergue havia me despedido dela falando que com certeza a reencontraria, pois eu tinha 2 dias de crédito para algum descanso ou imprevisto.


















Hortinha











Turma Italiana - com Manu.


Tinha uma pedra no meio do caminho...

É caminhando que se faz o Caminho...


Quando terminamos o lanche, encontramos um peregrino português (já senhor de idade) que estava fazendo caminho ao contrário. Relatou que não tinha dinheiro e que estava contando com a ajuda das pessoas, e nós também demos dinheiro a ele. Ele informou que houve dia em que só comeu uvas, colhidas das plantações, e que em algumas noites dormiu na rua. Eu falei que ele poderia explicar nos albergues a sua situação, e certamente deixariam que ele dormisse, mas ele disse que não ficaria com a consciência tranquila, como se estivesse devendo algo. Ah, ele também falou mal do Paulo Coelho. Jappie e Bram não entendiam nada do que ele falava.
Fiquei no albergue Casa de Áustria, um albergue com um salão extremamente aconchegante. Os hospitaleiros não falavam tão bem espanhol. Perguntei sobre os serviços de massagem pela cidade que estavam no mural, a hospitaleira informou que não tinha nenhum no momento por conta da baixa temporada, mas que o seu parceiro fazia, e que era bem forte. Perguntei o valor e ela respondeu: donativo.
Fiquei na dúvida se fazia ou não a massagem, fiquei um pouco com o medo do “bem forte” e não sabia exatamente quanto deveria pagar. Quando assisti Bernard (espanhol) e Christian (alemão) urrando na mesa de massagem, desisti. E o hospitaleiro pelo visto tinha um certo prazer com aquilo. Falava, com os olhos esbugalhados: é, tooodos choram na minha mão. Eu, heim. Hahahahahaha...
Quando fui na rua, encontrei Jappie e Bram, que acabaram ficando em outro albergue (apenas eles e um peregrino mexicano, que luxo). Fomos procurar um lugar para comer, mas andamos bastante e quase tudo estava fechado, por ser o horário da siesta (sim, aquela soneca depois do almoço em que vários estabelecimentos fecham). Eu estava roxa de fome, e o albergue não tinha cozinha. Encontramos um lugar perto da igreja, onde já estavam Deborah (suíça), Christian, Hiram (um peregrino americano muito simpático) e o peregrino mexicano. O menu do peregrino de lá era muito gostoso. Tinha um risoto delícia. Ficamos ali comendo, bebendo vinho, conversando, rindo e sentindo frio. O pôr do sol foi um espetáculo à parte com a silhueta da igreja. Todos sacaram suas máquinas. Deborah zombou: ahhh, ninguém nunca viu o pôr do sol... Levantei pra ir fazer compras, mas antes quis conhecer a igreja por dentro. Simplesmente linda. Mal pisei dentro da igreja, comecei a chorar que nem uma criança. Não conseguia entender porque aquilo estava acontecendo. Acho que eu buscava perdão por me cobrar tanto na vida, sei lá. O silêncio lá dentro era absurdo. Eu tentava segurar o barulho do choro, pois tinham algumas pessoas trabalhando lá. Devia ter ignorado isso e deixado o som se propagar. Eu estava tipo uma criança que quer o colo do pai ou da mãe. E era exatamente o que eu queria, né? Do Pai Nosso...

Parte externa do albergue Casa Austria.

Já em Los Arcos.


Risoto delícia...

Mutcho bom!

Igreja de Los Arcos.

Pôr do Sol e silhueta da igreja.



3 comentários:

  1. Pergunta do post anterior respondia...
    Confesso que estou deliciada com a questão do vinho todo dia, uma maneira mais rápida de relaxar e esquecer das dores iniciais não?
    Além de, como você mesma disse, brindar mais um trajeto vencido!

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