domingo, 1 de maio de 2016

19/11 – Frómista a Carrión de Los Condes

            Acordei e fui direto nos bancos tentar resolver o meu problema do dinheiro. Os funcionários não puderam me ajudar. Tentei novamente comprar na farmácia, também não consegui. Comecei a caminhada bem preocupada. Foi um dia de caminhada muito reta, ou seja, com o ponto de fuga bem marcado, pois o caminho basicamente margeou uma estrada. Em um dos momentos que paramos pra comer, teve que ser na trilha mesmo, de forma bem exposta, pois não tinha arbusto, banco, árvore, nada.












            Liguei a Internet do celular e fui conversando com a minha família enquanto caminhava, pra tentar resolver a questão do dinheiro. Eles estavam envolvidos e em contato com a central. A central não via nenhum problema no cartão através do sistema, então concluí que por ter deixado o cartão junto com as moedas em uma bolsinha, o mesmo deve ter se danificado. Eu não conseguia fazer compras nem através do chip, nem através da tarja magnética. Meu namorado descobriu que tinha a opção de fazer um saque emergencial, que é pegar o dinheiro em espécie em algum estabelecimento credenciado à MoneyGram. Ele viu que a cidade mais próxima de onde eu estava e que tinha ponto pagador era em Palência, e deixou esta informação com a central. Porém, esta cidade ficava fora da rota do Caminho. Bram chegou a oferecer a possibilidade da minha mãe transferir dinheiro pra conta dele, e ele me entregar, mas deixei esta opção em stand by por enquanto.
            Hoje notei um espanhol sacudindo o tapete pela janela, pra retirar a poeira, e também jogando pela janela a poeira que estava na pá de lixo. Estranho, né? Enfim... E o mais esquisito é que vi isso mais umas 3 vezes até o final do caminho.
Neste dia eu estava com uma dor nos tendões bem forte, e percebia que se evoluísse um pouco mais, ficaria insuportável. Não sei se era a tensão do problema de dinheiro que eu estava enfrentando.
Passamos por Población de Campos, Revenga de Campos, Villarmentero de Campos e Villalcázar de Sirga. Quando chegamos em Carrión, estávamos procurando o albergue. Bram entrou numa loja, achei que ele fosse perguntar pelo albergue, mas ele estava comprando 2 cajados de madeira. Virei as costas e saí, com o restante do pessoal. Um senhor de idade nos parou na rua e perguntou: peregrinos? Eu disse que sim. Ele pediu pra que o seguíssemos. Seguimos, sem saber pra onde estávamos indo, entrando numas vielas e ele nos levou até o albergue Espírito Santo. Na verdade havíamos passado pela entrada dele, quando entramos na cidade, mas não fica visível. Ele nos levou até outra entrada. Deu a impressão que ele fica sempre ali na rua à espera de peregrinos com cara de perdidos, para guiá-los até o albergue.





Estávamos aguardando para carimbar as credenciais, e Bram me mostrou seus novos cajados e perguntou: qual você gosta mais? Eu peguei os cajados e falei: deixa eu testar isso pra ver como é. Aí comecei a andar com os cajados, mas o chão do albergue era muito liso, e um deles escorregou um pouco. Entreguei rindo, como quem diz: hahaha, não sei usar isso não. Ele só pegou um, deixou o outro na minha mão e falou: é seu. Imediatamente fiquei séria e recusei, entregando. Ele disse: não, não, é seu. Eu comecei a chorar. Abracei ele e agradeci. Ele disse, com um sorriso: de nada. O cajado veio num momento que eu já estava com dores fortes nos tendões e num momento difícil que eu estava enfrentando, e precisava de apoio. Muito lindo, né? Coisas do Caminho...
O albergue tinha camas normais. Não eram beliches. Aquilo era um luxo!!! Mesmo com pouco dinheiro, eu lavei minhas roupas e comi fora. Falei com minha irmã e minha mãe através de uma chamada de vídeo pelo Hangouts, e amei! Ver a carinha delas foi muito bom! Minha mãe com um sorriso lindo e um brilho nos olhos, quando minha irmã disse que ela teria que se desalojar do meu quarto, onde ela temporariamente fez de ateliê de costura, pois em alguns dias, eu estaria chegando.

Luxo!!

Vi na Internet que a próxima cidade na rota que teria ponto pagador seria León, onde eu chegaria em 4 dias. Concluímos que era melhor do que desviar a rota, mesmo que eu tivesse que racionar o dinheiro até chegar lá. Provavelmente eu teria que pedir emprestado pra alguém. Meu namorado chegou a me questionar se eu não queria pegar um ônibus pra León pra resolver isso logo, mas isso estava fora de cogitação pra mim. Eu queria fazer todo o Caminho caminhando. Ele ia ligar pra central pra passar essa informação de que eu pegaria o dinheiro em León, mas por alguma falha de comunicação, minha mãe ligou pra central antes dele e confirmou o saque emergencial. Eu perguntei: mãe, será em León, né? Eu posso fazer na segunda-feira? Como eu tenho que fazer? Quanto eu posso sacar? Mas ela já tinha desligado o telefone, pediu que eu ligasse a cobrar pra eles pra tirar as dúvidas. Liguei pra pedir a segunda via do cartão, pra ter mais uma opção, caso o saque emergencial não desse certo, sei lá, né? A atendente me explicou que enviar uma segunda via era impraticável, pois a cada dia eu estava em uma cidade, e eu teria que estar no local no momento da entrega, e isso era difícil de acertar. Quando fui confirmar o saque em León, ela me respondeu: “não, não. A informação que eu tenho aqui é que você tem que pegar em Palência”. Tentei trocar, mas ela disse que era impossível, pois a transação já havia sido feita. Meu humor foi lá embaixo. No dia seguinte eu teria que ir até outra cidade fora da rota, pra pegar o dinheiro. Isso me deixou muito triste, pois eu não começaria o dia caminhando, então certamente me separaria dos amigos que havia feito.
Comentei com meus amigos peregrinos o ocorrido, e fiquei em clima de despedida, mas pensando que se conseguisse caminhar algo no dia seguinte, provavelmente em alguns dias eu poderia alcançá-los, se apertasse um pouco mais o passo.
Recebi uma notícia ruim de uma pessoa muito amada. Finalizei o dia percebendo que eu precisava aprender a lidar melhor com sentimentos ruins, pois eu deixava que eles me contaminassem e tomassem conta de mim, como se eu merecesse aquilo, sabe? É como se fosse eu dizendo pra mim mesma: você precisa sofrer. É como se eu pegasse o problema e o potencializasse, ao invés de desanuviá-lo.

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