Acordei e
fui direto nos bancos tentar resolver o meu problema do dinheiro. Os
funcionários não puderam me ajudar. Tentei novamente comprar na farmácia,
também não consegui. Comecei a caminhada bem preocupada. Foi um dia de
caminhada muito reta, ou seja, com o ponto de fuga bem marcado, pois o caminho
basicamente margeou uma estrada. Em um dos momentos que paramos pra comer, teve
que ser na trilha mesmo, de forma bem exposta, pois não tinha arbusto, banco,
árvore, nada.
Liguei a
Internet do celular e fui conversando com a minha família enquanto caminhava,
pra tentar resolver a questão do dinheiro. Eles estavam envolvidos e em contato
com a central. A central não via nenhum problema no cartão através do sistema,
então concluí que por ter deixado o cartão junto com as moedas em uma bolsinha,
o mesmo deve ter se danificado. Eu não conseguia fazer compras nem através do
chip, nem através da tarja magnética. Meu namorado descobriu que tinha a opção
de fazer um saque emergencial, que é pegar o dinheiro em espécie em algum
estabelecimento credenciado à MoneyGram. Ele viu que a cidade mais próxima de
onde eu estava e que tinha ponto pagador era em Palência, e deixou esta
informação com a central. Porém, esta cidade ficava fora da rota do Caminho.
Bram chegou a oferecer a possibilidade da minha mãe transferir dinheiro pra
conta dele, e ele me entregar, mas deixei esta opção em stand by por enquanto.
Hoje notei
um espanhol sacudindo o tapete pela janela, pra retirar a poeira, e também
jogando pela janela a poeira que estava na pá de lixo. Estranho, né? Enfim... E
o mais esquisito é que vi isso mais umas 3 vezes até o final do caminho.
Neste dia eu estava com uma dor
nos tendões bem forte, e percebia que se evoluísse um pouco mais, ficaria
insuportável. Não sei se era a tensão do problema de dinheiro que eu estava
enfrentando.
Passamos por Población de Campos, Revenga de Campos, Villarmentero de Campos e Villalcázar de Sirga. Quando chegamos em Carrión,
estávamos procurando o albergue. Bram entrou numa loja, achei que ele fosse
perguntar pelo albergue, mas ele estava comprando 2 cajados de madeira. Virei
as costas e saí, com o restante do pessoal. Um senhor de idade nos parou na rua
e perguntou: peregrinos? Eu disse que sim. Ele pediu pra que o seguíssemos. Seguimos,
sem saber pra onde estávamos indo, entrando numas vielas e ele nos levou até o
albergue Espírito Santo. Na verdade havíamos passado pela entrada dele, quando
entramos na cidade, mas não fica visível. Ele nos levou até outra entrada. Deu
a impressão que ele fica sempre ali na rua à espera de peregrinos com cara de
perdidos, para guiá-los até o albergue.
Estávamos aguardando para carimbar
as credenciais, e Bram me mostrou seus novos cajados e perguntou: qual você
gosta mais? Eu peguei os cajados e falei: deixa eu testar isso pra ver como é.
Aí comecei a andar com os cajados, mas o chão do albergue era muito liso, e um
deles escorregou um pouco. Entreguei rindo, como quem diz: hahaha, não sei usar
isso não. Ele só pegou um, deixou o outro na minha mão e falou: é seu.
Imediatamente fiquei séria e recusei, entregando. Ele disse: não, não, é seu.
Eu comecei a chorar. Abracei ele e agradeci. Ele disse, com um sorriso: de
nada. O cajado veio num momento que eu já estava com dores fortes nos tendões e
num momento difícil que eu estava enfrentando, e precisava de apoio. Muito
lindo, né? Coisas do Caminho...
O albergue tinha camas normais. Não
eram beliches. Aquilo era um luxo!!! Mesmo com pouco dinheiro, eu lavei minhas
roupas e comi fora. Falei com minha irmã e minha mãe através de uma chamada de
vídeo pelo Hangouts, e amei! Ver a carinha delas foi muito bom! Minha mãe com
um sorriso lindo e um brilho nos olhos, quando minha irmã disse que ela teria
que se desalojar do meu quarto, onde ela temporariamente fez de ateliê de
costura, pois em alguns dias, eu estaria chegando.
Luxo!! |
Vi na Internet que a próxima
cidade na rota que teria ponto pagador seria León, onde eu chegaria em 4 dias.
Concluímos que era melhor do que desviar a rota, mesmo que eu tivesse que
racionar o dinheiro até chegar lá. Provavelmente eu teria que pedir emprestado
pra alguém. Meu namorado chegou a me questionar se eu não queria pegar um
ônibus pra León pra resolver isso logo, mas isso estava fora de cogitação pra
mim. Eu queria fazer todo o Caminho caminhando. Ele ia ligar pra central pra
passar essa informação de que eu pegaria o dinheiro em León, mas por alguma
falha de comunicação, minha mãe ligou pra central antes dele e confirmou o
saque emergencial. Eu perguntei: mãe, será em León, né? Eu posso fazer na
segunda-feira? Como eu tenho que fazer? Quanto eu posso sacar? Mas ela já tinha
desligado o telefone, pediu que eu ligasse a cobrar pra eles pra tirar as
dúvidas. Liguei pra pedir a segunda via do cartão, pra ter mais uma opção, caso
o saque emergencial não desse certo, sei lá, né? A atendente me explicou que
enviar uma segunda via era impraticável, pois a cada dia eu estava em uma
cidade, e eu teria que estar no local no momento da entrega, e isso era difícil
de acertar. Quando fui confirmar o saque em León, ela me respondeu: “não, não.
A informação que eu tenho aqui é que você tem que pegar em Palência”. Tentei
trocar, mas ela disse que era impossível, pois a transação já havia sido feita.
Meu humor foi lá embaixo. No dia seguinte eu teria que ir até outra cidade fora
da rota, pra pegar o dinheiro. Isso me deixou muito triste, pois eu não
começaria o dia caminhando, então certamente me separaria dos amigos que havia
feito.
Comentei com meus amigos peregrinos
o ocorrido, e fiquei em clima de despedida, mas pensando que se conseguisse
caminhar algo no dia seguinte, provavelmente em alguns dias eu poderia
alcançá-los, se apertasse um pouco mais o passo.
Recebi uma notícia ruim de uma
pessoa muito amada. Finalizei o dia percebendo que eu precisava aprender a
lidar melhor com sentimentos ruins, pois eu deixava que eles me contaminassem e
tomassem conta de mim, como se eu merecesse aquilo, sabe? É como se fosse eu
dizendo pra mim mesma: você precisa sofrer. É como se eu pegasse o problema e o
potencializasse, ao invés de desanuviá-lo.
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