domingo, 23 de outubro de 2016

06/12 – Arzúa a Pedrouzo

            O dia começou com bastante névoa, e mesmo assim o nascer do sol foi lindo. Fiquei assistindo o sol subir.
            O dinamarquês sem noção contou todo orgulhoso que foi pra night, e como voltou pro albergue em um horário em que o mesmo já estava fechado, pulou o muro. Vicente comentou comigo que notou que eu esperei clarear para sair do albergue em Palas, no dia anterior. Ele disse: não precisa se preocupar com segurança.

A alvorada.









Vaquinhas



            O caminho estava cheio (feriadãããão), teve um momento que teve até fila. Vi novamente as crianças, era um grupo grande de uma escola, carregavam até bandeiras e faixas e estavam com seus pais e professores. Puxei conversa com um deles, sobre o desenho que pintou e carregava pendurado no pescoço. Ele me disse: é Santiago! Tinha um desenho de vieira no pescoço também. Elogiei a obra de arte, ele me perguntou: você é italiana?
            Dizem que você tem que descer o Monte do Gozo e chegar em Santiago cantando sua música preferida, ou uma música que goste muito. Eu estava há alguns dias pensando em qual seria. Queria que fosse uma que falasse de felicidade. Neste dia, as crianças me deram a inspiração: O Que é, O Que é?, de Gonzaguinha.

“Eu fico com a pureza das respostas das crianças:
É a vida! É bonita e é bonita!
Viver e não ter a vergonha de ser feliz,
Cantar,
A beleza de ser um eterno aprendiz
Eu sei
Que a vida devia ser bem melhor e será,
Mas isso não impede que eu repita:
É bonita, é bonita e é bonita!
E a vida? E a vida o que é, diga lá, meu irmão?
Ela é a batida de um coração?
Ela é uma doce ilusão?
Mas e a vida? Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é? O que é, meu irmão?
Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo,
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo,
Há quem fale que é um divino mistério profundo,
É o sopro do criador numa atitude repleta de amor.
Você diz que é luta e prazer,
Ele diz que a vida é viver,
Ela diz que melhor é morrer
Pois amada não é, e o verbo é sofrer.
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé,
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser,
Sempre desejada por mais que esteja errada,
Ninguém quer a morte, só saúde e sorte,
E a pergunta roda, e a cabeça agita.
Fico com a pureza das respostas das crianças:
É a vida! É bonita e é bonita!
É a vida! É bonita e é bonita!”

            Comecei a ensaiar a cantoria e me emocionei. Tem tudo a ver com o que o Caminho representou pra mim. Ai, que inspiração delícia! Recadinho enviado por Deus, não é não?

Crianças no caminho: inspiração!





            Passamos por Salceda, Santa Irene e Rúa. Em certo momento, eu notei que Pedrouzo não chegava, e eu parecia já ter andado mais do que a distância até esta cidade. Perguntei pra moradores, eles disseram que eu havia passado em torno de 3 km, mas que tinha um restaurante/hostel mais ou menos próximo. Fiquei meio chateada, fui até o local, e perguntei pro atendente. Ele disse que tinha quarto sim, mas eu seria a única pessoa hospedada, ou seja, ficaria sozinha naquela edificação. Disse inclusive que eu teria que devolver a chave no dia seguinte às 10 horas, e que então ele poderia me levar de carro até Pedrouzo. Pensei, e resolvi voltar. Ele me indicou que voltasse pela estrada, pra ser mais rápido. Que imprevisto pro penúltimo dia, heim? 6 km a mais. Mas tudo bem. O Caminho e a vida são feitos de imprevisibilidade.


Ovelhinhas


Pastor e suas ovelhas.



Cadeirante







            Procurei retornar bem rápido. Não sei se foi nesse dia ou no dia seguinte, mas eu identifiquei o momento que errei: tinha uma entrada pra cidade, e eu segui em frente, ou seja, não notei a entrada.
            Fiquei em um albergue bem bonitinho, o Rem (indicação de alguém). Eu já estava sem memória pras fotos, e o hospitaleiro me ajudou a descarregá-las, utilizando seu notebook. Lá no albergue também estavam Xeli, Giovanna e a outra senhora espanhola. Quando saímos pra comer em um restaurante bem indicado (que eu esqueci o nome), encontramos na rua o Francesco, já “no brilho”, afinal, era véspera da nossa chegada em Santiago! Ele gritou: “Joana! Toma: é bota!”, e me ofereceu uma bebida em um recipiente de tecido que realmente parece uma bota. Eu perguntei: o que é isso? Ele, no brilho: é bota! Hahaha! Recusei e segui com as meninas.
            A nossa janta foi sensacional. Dividi uma salada com chuleta e batatas e bebi vinho. Giovanna e Xeli dividiram um risoto de legumes lindo. Quando conversei com minha família, contei todas as novidades, animadíssima, e disse: é amanhã! Falei do sentimento dúbio: alegria por estar chegando, e o sentimento de: puxa, já acabou? Minha mãe falou: não acabou, o caminho continua por toda a vida, lembra? É verdade. Ela disse que ia marcar uma coletiva de imprensa, pois muita gente queria saber sobre o caminho. Hahaha. E eu falei que iria fazer este blog.

Nosso jantar sensacional.
Por fim, no albergue o hospitaleiro disse que a previsão do dia seguinte seria de chuva. Eu disse: chuva? Que maravilhoso! E por todo o caminho, nem choveu de verdade, peguei só um chuvisco mixuruca em um dia. Vamos lavar a alma chegando em Santiago! Amém!!!

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